sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Cobertura da Audiência Pública sobre Violência no Parto


 No meio, a pediatra e coordenadora do Movimento BH Pelo Parto Normal, Sônia Lansky.
 (Estas fotos são da Marcha pela Humanização do Nascimento. Não sei exatamente se são da Pollyana Amaral ou da Kalu Brum, salvei do Face)

Por Lis Brasil, com informações da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e a colaboração de Kenia Fernandes

Muitas de nós sentiram o dia 1º de agosto como um marco histórico. A realização da audiência pública VIOLÊNCIA NO PARTO, há muito sonhada por tantas famílias vítimas do sistema obstétrico atual, representou a libertação de um grito engasgado na garganta.  Usuárias, médicos, obstetrizes, doulas, ativistas, políticos e estudantes estiveram unos numa mesma corrente: a luta em prol do parto digno, respeitoso e humanizado, numa tentativa de mudança de paradigma e de resgate do parto como um evento familiar e da mulher.

Diversas práticas que devem ser rigorosamente combatidas foram apontadas durante essa discussão: a separação mãe-bebê, a má assistência neonatal, a formação acadêmica ultrapassada de médicos obstetras e enfermeiros, a não utilização de partograma como instrumento norteador para a necessidade de intervenções durante o trabalho de parto, o não cumprimento da Lei do Acompanhante (já foi comprovado que a solidão dificulta a liberação natural de ocitocina), episiotomia, restrição de alimentos e liquidos, uso rotineiro de ocitocina sitética (sorinho), Manobra de Kristeller (subir na barriga e empurra o bebê), dentre outras atrocidades que vêm sendo corriqueiramente cometidas a despeito de sérias evidências científicas. Durante a audiência pública, ficou clara a necessidade de políticas públicas que promovam a mudança do modelo atual de assistência ao parto.

Em depoimentos profundamente tocantes, muitas mulheres expuseram suas dores e as violências pelas quais passaram, mostrando como o momento do nascimento ficou marcado para sempre em suas memórias. Míriam Rêgo Leão, Enfermeira Obstetra e Professora do Curso de Enfermagem da Puc Minas fez um aparte para conduzir-nos à seguinte reflexão: “Será que, diante desses depoimentos, os profissionais que causaram esse sofrimento têm alguma idéia do quanto isso ficou marcado nessas mulheres?”. Ela relembrou ainda que o primeiro parto que assistiu foi de cócoras, e que o profissional em formação tem que ter como prioridade o bem estar da mãe e da criança. “Não queremos sair apenas vivos do parto, mas com memórias de prazer e satisfação de um momento que lembraremos para sempre”.

Uma das estrelas desta audiência pública foi a Dra. Sonia Lansky, à frente desta luta há 15 anos na capital mineira, município signatário da Redução de Mortalidade Materna e Neonatal, por meio do Movimento BH pelo Parto Normal, Comissão Perinatal e do Comitê de Prevenção de Óbitos Materno, Fetal e Infantil, todos implementados pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS).  Sonia Lansk apresentou dados estatísticos das 8 maternidades do SUS em funcionamento em Belo Horizonte, e cobrou a adequação das maternidades às portarias do Ministério da Saúde e da ANVISA, com a instalação de suites de parto adequadamente equipadas. Para ela, a ambiencia começa a tirar o imaginário de parto normal sinonimo de violencia, o que é fundamental para reverter a incidência de cesareas, que já chega ao índice absurdo de 83% na rede privada. “78,6% das mortes durante o parto no Brasil têm como causa direta a qualidade da assistência. Cesárea no primeiro filho determina muitas vezes a vida futura reprodutiva da mulher, com riscos nas futuras gestações. Violência no parto, incluindo cesareas sem indição, são violências contra a criança. Muitas mortes fetais acontecem por má assistencia ao parto e por intervenções desnecessárias. Os dados demonstram que o excesso de intervenções médicas durante o trabalho de parto levam a óbitos maternos e neonatais”, lamentou a médica, com os olhos marejados.

O médico Joao Batista Marinho de Castro e Lima, representante do Ministério da Saúde e diretor-clínico do Hospital Sofia Feldman,  pontuou que  as boas práticas médicas consolidadas cientificamente têm sido negadas para as mulheres, e que aquelas consideradas desconfortáveis, são realizadas rotineiramente. São modelos de assistência  arraigados, como a episiotomia de rotina, que para ele representa uma mutilação genital praticada em quase 100% das maternidades de Belo Horizonte.

O contraponto aos depoimentos apresentados foi feito pelo presidente da Associação dos Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais, Marcelo Lopes Cançado, que afirmou nunca ter presenciado qualquer tipo de humilhação ou xingamento dos profissionais de saúde às gestantes durante o trabalho de parto em sua experiência de mais de dez anos na área. “Acredito que esses devem ser casos pontuais”, afirmou, causando indignação geral!!! Já João Batista Gomes Soares, presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, disse ser do tempo em que o parto normal era valorizado, mas que houve um desvio e que a principal razão para essa mudança foi a própia parturiente. Ele responsabilizou a mulher, que segundo o mesmo passou a desejar a cesarea para evitar os sofrimentos do parto, sem no entanto admitir que este sofrimento advém do modelo obstétrico desumano praticado no parto vaginal, que deixa de ser normal e passa a ter uma série de intervenções desnecessárias. Dentre algumas “pérolas” que provocaram risadas espontâneas no público presente, destacamos aqui declarações irresponsáveis ditas pelo médico, como a afirmação de que parir na água é arriscado ou que a melhor posição para o parto é a posição deitada, pois facilita o trabalho do médico!

Quebrando o silêncio

Segundo a advogada, doula e ativista Elisabeth Ângela Primo, cabe ao Ministério Público, na figura do promotor de Justiça Nélio Costa Dutra Júnior, coordenador da 19ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, que esteve presente à Audiência Pública, a fiscalização de quaisquer irregularidades no que diz respeito ao cumprimento das normas vigentes. “Devemos quebrar o silêncio e estar cientes da importância de fazer com que as denúncias de desrespeito aos preceitos legais cheguem aos órgãos competentes, como ANVISA, Secretarias Municipal e Estadual de Saúde de Minas Gerais e o próprio Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais”, alerta. Segundo a advogada, há diversas formas de sanção cabíveis, como ações civis de indenização por dano moral e o enquadramento dos profissionais de saúde na Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), já que são prestadores de serviços de saúde. Para ela, os planos de saúde também deveriam ser culpabilizados. “A episiotomia sem autorização é crime contra a integridade física, Lesão Corporal art. 129 CP”, esclarece Elisabeth.

Infelizmente, nenhuma das maternidades particulares, responsáveis pela crescente e irresponsável “mercantilização” do parto, enviou sequer representante. Deixaram óbvio o que já intuíamos: não se interessam pela discussão e não buscam colaborar. A mudança depende da mobilização da sociedade. Cabe a nós usuárias pressionar, por meios jurídicos, para que se faça cumprir o que já está preconizado há alguns anos na Portaria do Ministério da Saúde 1.067/2005, Lei Federal 11.108/2005 e RDC 36/2008 da ANVISA, mas até hoje não saiu do papel.

Mulheres de todas as regiões do país, dentre elas Minas Gerais, estão se unindo, presencial ou virtualmente, com o objetivo de mudar a triste realidade de assistência ao parto nas instituições de saúde em nossa sociedade. Com a realização desta audiência pública e a entrega do relatório VIOLÊNCIA NO PARTO EM MINAS GERAIS – Denúncia à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Minas sai à frente, seguindo sua vocação para a insurreição vinda do povo contra os abusos do poder estabelecido. Violência é tudo o que tira o protagonismo da mulher. No momento do parto, buscamos resgatar o poder da mulher. Na noite da insurreição que libertaria Minas Gerais do jugo português, segundo Tiradentes pretendia, os líderes da inconfidência sairiam às ruas de Vila Rica dando vivas à república, com o que ganhariam a imediata adesão da população. No próximo domingo, 5 de agosto, milhares de pessoas sairão às ruas de todo o país mais uma vez, no movimento intitulado Marcha pela Humanização do Parto.

O SUS que dá certo!
(Esta foto faz parte do arquivo do Hospital Sofia Feldman. É a Camila com sua filha Diana. Nasceu na água, no Sofia).


Belo Horizonte tem se tornado um modelo nacional de boas práticas, através do aclamado trabalho desenvolvido pela Maternidade Sofia Feldman (SUS). Esta instituição vem se tornando a “menina dos olhos” de nossa presidenta Dilma Roussef, que em junho deste ano, junto ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, esteve visitando a Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal (UCI) da instituição e o Centro de Parto Normal Helena Greco, custeado pela Rede Cegonha. A unidade apresenta as ambiências, recomendadas pela portaria RDC 36, da ANVISA, e modelo de assistência preconizado pelo programa. Na ocasião, o ministro afirmou que se não existisse o Sofia, provavelmente não existiria a Rede Cegonha. O Hospital foi o grande inspirador para criação do programa, em 2011, um exemplo de como cuidar das mães e crianças brasileiras com dignidade e respeito.

Na última quarta-feira o auditório da Assembleia Legislativa estava lotado. Repleto de mulheres e crianças que foram lutar por seus direitos e denunciar momentos em que estes direitos lhes foram negados. O evento encheu os olhos de todos os presentes e daqueles que acompanharam a transmissão pela TV e nos deu força e coragem para prosseguir na luta. Esperamos dar continuidade a esta frente de trabalho, que busca o reestabelecimento de direitos tão elementares para as mulheres, direitos esses em consonância com preceitos já estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde há décadas, mas que vêm sendo rigorosamente desrespeitados. Buscamos o apoio do Poder Público para que possamos promover estas mudanças de maneira coletiva. Esperamos o envolvimento da sociedade e principalmente das Casas Legislativas de todo o país para com a causa da Humanização do Parto e Nascimento. Muitas e muitas mulheres não conseguem sequer perceber que têm seus direitos roubados no momento mais sublime de suas vidas. Afinal, dar a elas a oportunidade de saber e, a partir da informação, construir uma nova realidade, é uma nobre função do Poder Legislativo!



Para fechar com chave de ouro, deixo vocês com o depoimento de Fernanda Coelho, mais uma vítima de violência obstétrica: “Achei que bastava querer um parto natural. Com 37 semanas sofri  violência, porque violência é tudo que tira o protagonismo da mulher.  Os profissionais que prestam assistência ao parto deveriam acolher e não incentivar a medicalizaçao. Meu filho foi separado no berço aquecido. Nasceu 23h30 e só teve comigo às 7 horas da manha. Fizeram lavagem gastrica em meu bebê sem indicação, um procedimento extremamente invasivo. Mulheres, peguem o seu prontuário, é um direito nosso! O parto é da mulher! Quando meu filho nasceu senti que ele não era meu e sim da instituiçao. Que não deixem morrer a causa”!

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