Participei ontem, dia 29 de maio, do Seminário pela Redução da Mortalidade Materna, na
Câmara Municipal de Belo Horizonte, representando a ong Bem Nascer, da qual sou a presidente. Alguns ali presentes pediram-me para postar o discurso em meu blog. Aí está a fala de uma mulher, militante pelo parto normal, e que defende a naturalidade da gestação e do parto.
"Duas mil mulheres morreram no ano passado
por complicações na gestação parto ou puerpério. E até o dia de hoje, mais de
mil mulheres já morreram. Neste momento
mesmo, alguma mulher pode estar com pressão alta, encaminhando-se para o
trabalho de parto e pode vir a falecer, aumentando estes números. Sabemos que
92% destas mortes são evitáveis. Todas estas mortes foram intercorrências
naturais da vida; distócias que apareceram de repente e levaram a óbitos?
Quantas morreram em decorrência de parto dito normal? E das cesáreas,quantas
delas foram realizadas para salvar vidas e quantas provocaram a morte da
mulher?
Mortes maternas são resultado de
imperícia, negligência, desrespeito ou despreparo dos profissionais de saúde
que assistem a partos, mas não dão ao parto o tempo necessário. Excesso de intervenções, ocitocina e anestesia de rotina, aplicação de fórceps,
episiotomias enormes, verdadeiras mutilações no corpo feminino, excesso de
toques invasivos e cesarianas sem indicações precisas.
Eu represento as mulheres, mas nem por isto
compartilho com a tese de que a mulher deve ter o direito de optar pela
cesárea. Elas não têm conhecimento científico para se auto -indicar uma
cirurgia, onde corta-se quatro camadas para se chegar ao casulo, onde nosso filho
está, muitas vezes ainda despreparado para nascer.Pesquisas atestam que se corre mais
risco de morrer uma cesárea, que no parto normal; no ano passado 52% das
mulheres passaram pela cesárea, cirurgias na maior parte das vezes,
desnecessárias. Que demandam mais intervenções, medicamentos, UTI neonatal.
Saem caras para os sistemas de saúde e convênios. Saem cara para a mulher,
intervindo no seu equilíbrio interno, na ecologia do ser humano.
Um dos aspectos é a má assistência,
desrespeitosa, apressada, despreparada, sem cuidados da maioria dos hospitais. Perdeu-se o ritual,
o sagrado do nascimento, a unicidade de cada parto. E a mulher passa por todo
tipo de violência institucional, vítima de um sistema mecânico, tecnicista,
frio, que anda na contramão de todo um movimento internacional a favor do parto
normal e das boas práticas; que começa na OMS, passa pelo Ministério, passa
pelos estados e chega às capitais. Ainda estão carentes os municípios do
interior, que aguardam a chegada da Rede Cegonha ou intervenções mais
consistentes do programa Mães de Minas. Em alguns hospitais do interior, há
100% de cesarianas.
Outro fator de mortalidade materna é a
deficiência na rede básica de saúde, que aponta falhas no pré-natal. Acredito
que a Rede Cegonha pode fazer diferença
no futuro, com o incentivo às mães para que façam pelo menos seis consultas de
pré-natal, a mudança de ambiência interna das maternidades, a qualificação dos
profissionais para modelo de assistência humanizado ao parto. Tenho presenciado, no Hospital Sofia Feldman,
onde trabalho como jornalista, um intercâmbio
grande entre as maternidades do Nordeste e Amazônia, diretores de
maternidades que estão vindo à instituição apreender o modelo de atenção
preconizado pelo Ministério da Saúde. Eles chegam e voltam dispostos a mudar por
lá a assistência. Já não acredito no Call Center do programa Mães
de Minas, que capta as mães para as
consultas, mas que não garante boa assistência na rede básica. A mim, parece um
programa oportunista e marketeiro.
O parto sempre foi um evento
eminentemente feminino, coisa de vizinha, de comadre, de parteira. Dentre as
propostas da Rede Cegonha, concordo plenamente com uma delas: a inserção da
enfermeira obstetra no cenário do parto. Enfermeiras são treinadas para
acolher, assistir; uma profissão feminina em essência. Já os
médicos, são treinados para intervir, e eles são necessários, têm preservado o
seu lugar, quando há distócias e necessidade de cirurgias. Creio que se faz
necessária uma intervenção na formação dos médicos, porque as mulheres correm
risco na mão de profissionais que não sabem assistir, literalmente, assistir a
um parto normal. Que não tem equilíbrio emocional para ver uma mulher em
trabalho de parto, sem propor uma intervenção, um sorinho, uma anestesia ou que
cortam seus períneos, desconhecendo as evidências científicas que já mostraram
que dá mais problemas de infecção para a mulher. Nas melhores práticas ela já
não ocorre de rotina, apenas quando necessárias.
Nós mulheres perdemos, neste
sistema, inclusive o direito de ter nossos filhos de cócoras, posição natural e
fisiológica, na maioria dos hospitais temos que nos deitar, colocar as pernas
para cima e, passivamente, deixar o médico se tornar o protagonista do parto. Esse
frio sistema que recebe o bebê e rapidamente o entrega para os outros doutores
pediatras, para que possam pesar e medir, perdendo-se com estes procedimentos a
pele na pele e o olho no olho da mãe com o bebê, tirando da família a
oportunidade de vivenciar este primeiro
contato, o reconhecimento do seu filho que acaba de chegar ao mundo.
Algumas mulheres têm sofrido o pão que o
diabo amassou em algumas maternidades de Belo Horizonte, principalmente em
alguns hospitais escola. Uma delas, relatou em nossa Roda, que ficou
em trabalho de parto em dois plantões de estudantes, resultado, viu diferentes
médicos introduzirem os dedos para o toque em seu mais íntimo e privativo espaço.
Aqui em BH, o Hospital Sofia Feldman e o
Risoleta Neves oferecem residência para
médicos,que ali aprendem a assistir partos normais e isto é um avanço e vai
fazer diferença no futuro. Mas, e os outros que não passam por lá? Que aprendem
apenas a fazer cesáreas? Já é chegado o
momento da categoria dos médicos aceitar equipes multiprofissionais e não ficar
batendo a tecla de que o parto é um ato médico, o parto é da mulher e este
lugar tem que ser preservado. Hoje, dia 30 de maio, é o Dia Nacional contra o Ato Médico. Quem quiser se
posicionar, acesse www.nãoaoatomedico.org.br Nós da ong Bem Nascer, assinamos
embaixo.
O parto desejado por nós, mulheres,
militantes da causa, é respeitoso, dá valor aos anseios da mulher, respeita o
seu protagonismo, utiliza-se das boas práticas, escuta a parturiente e dá ao nascimento
o tempo necessário, sem a pressa dos atendimentos nos dias de hoje. Deu 40 semanas, temos que operar, mas, se aquele
parto demanda 41 semanas? Deu 38 semanas, já podemos tirar, o nenê está pronto;
criando assim seqüelas pulmonares para muitas das nossas crianças. Deu 10 cm, vou passar o fórceps,
vou entrar com ocitocina, a dor aumenta,
não tem problema, entramos com anestesia, um efeito cascata e rotineiro em
grande parte dos hospitais. Nunca na história da humanidade se interviu tanto
na questão nascimento. Creio que a cesárea acaba por deixar seqüelas física,
emocionais e psíquicas nas mulheres e suas crianças.
O parto é simples. Demanda silêncio,
respeito, cuidado. Uma criança que nasce neste clima, é pacífica, tranquila, o
que irá repercutir na harmonia da sociedade, evitando a violência urbana.
Intervir na assistência, qualificar melhor
os profissionais de saúde para as boas práticas no parto;investir na formação
dos médicos, tudo isto é importante no processo de humanização da assistência ao
parto. A ONG mantém um intercâmbio com estudantes da área de saúde e
comunicação para sensibilizá-los antes de saírem para o mercado de trabalho. Estudantes
de enfermagem da UFMG e PUC ou de jornalismo de outras faculdade freqüentam as
Rodas Bem Nascer; ou nós vamos até eles para fazer palestras de esclarecimento.
E assim, quando estes profissionais estiverem diante de uma pauta sobre partos ou de um parto, vendo o
milagre da vida se repetindo, ele saiba respeitar a mulher, a criança, a
família naquele momento, percebendo o nascimento como único e sagrado.
Creio que, se os partos retornassem à
sua naturalidade, muitas mortes seriam evitadas e não teríamos que chorar a
morte de milhares de brasileiras.
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