quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

NASCIMENTO É PARTE DA VIDA. NÃO UM EVENTO MÉDICO

Esta é Mary Zwart, que nos presenteou com a sua simpática presença nesta semana. Na segunda feira, deu uma palestra em minha sala de Yoga, esteve na Escola de Enfermagem da UFMG e na terça feira, no Simpósio sobre Evidências Científicas. E muito enriqueceu a discussão.

Durante o seminário, foram questionados procedimentos tradicionalmente usados no parto e já derrubados pela medicina baseada em evidências: episiotomia, tricotomia, enema, posição de litotomia (parto deitado)...
As evidências mostram que a melhor posição para o parto é a posição de cócoras. Desde a antiguidade, sempre, as mulheres agacharam para parir. Por isso, quando eu conto a história do Pacionick, todos acham muita graça.
Ele estava entre as índias Caigangues, do Sul do Brasil, onde fazia pesquisa e perguntou:
- Como vocês tem filhos?
- Tendo, ora.
- Em que posição?
- A gente agacha, espreme e o nenê nasce.
Então, o médico, que era um gozador (eu o conheci, era realmente uma graça, fez a palestra em cima de uma mesa, no I Seminário pela Humanização do Nascimento, em 1985) se deitou e pôs as pernas para cima, na posição de "frango assado".
As índias, que não são de rir, riram e muito, porque para elas a cena era realmente hilária. Aí,
uma delas perguntou: e para fazer cocô, elas fazem assim também?

Diversos tipos de cadeiras para parto de cócoras

A pediatra Sônia Lansky, a frente da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde

"O Nascimento é parte da Vida, não um evento médico".

A declaração é da parteira holandesa Mary Zwart, em palestra realizada na última terça feira (dia 7 de dezembro), no Simpósio sobre Evidências Científicas, promovido pela Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. O evento reuniu parceiros do Movimento BH Pelo Parto Normal e profissionais da área de saúde.

Mary, assim como Marcos Leite, presidente da REHUNA (Rede Pela Humanização do Nascimento) vieram diretamente da Conferência em Brasília, a convite da pres. da Comissão Perinatal, a pediatra Sônia Lansky. Também compôs a mesa a cientista social, Elene..., canadense que desenvolve uma pesquisa sobre relação mãe/bebê e escolheu o Sofia Feldman para estudar.

PARTO EM CASA – Uma Realidade na Holanda

Em cada três partos, dois são domiciliares na Holanda. Os partos nunca saíram de casa e até hoje são atendidos por parteiras. Não foi como aqui no Brasil. Mary perguntou ao público, que lotou o auditório da Una Aymorés – “Onde estão as histórias de partos de suas avós?”

Mary foi criada na realidade holandesa, mas reside em Portugal. E falou sobre os dois modelos de atendimento. “Nos países industrializados ocorreu o desaparecimento das obstetrizes. Dos Estados Unidos veio uma onda de tecnologia: modelo com altas taxas de intervenção, morte perinatal e materna. O modelo da Holanda: baixa internação, baixo custo, baixas intervenções. 80% social, 20% médico. Seguimos esse modelos há mais de duzentos anos e o exportamos para Nova Zelândia, Canadá, ajudamos a Inglaterra”. Ela explicou que em 1988 a Organização Mundial de Saúde se posicionou, estabelecendo um padrão ideal de atendimento, baseado em evidências científicas. E lembrou que as coisas no Brasil começaram a mudar com a realização em 1985 da I Conferência Pela Humanização, realizada em Fortaleza. “As obstetrizes renasceram das cinzas”.

...........Enquanto isso, também em 1985, em Belo Horizonte, essa que vos escreve estava realizando o I Seminário pela Humanização do Nascimento, com a presença de Moysés Parcionick, Hugo Sabatino, Cláudio Basbaum e Marco AurélioValadares numa mesa redonda histórica. O evento aconteceu na Maternidade Odete Valadares e quem organizou foi outra ONG que tive a honra de criar – o GRÁVIDA –Grupo pela Garantia a Gravidez Ameaçada. ..........

SÓ DEU SOFIA

O Hospital Sofia Feldman foi citado inúmeras vezes pelos palestrantes. Mary Zwart lembrou que é um hospital amigo da criança desde 1985 (vejam a sicronia das datas – todos nós trabalhando paralelamente), tem ótimas estatísticas, uma estrutura democrática e recebe visitas de todas as partes do mundo. É hoje referência nacional e internancional.

A cientista Social Elene se declarou impressionada com o Sofia Feldman. Ela ficou por lá três dias, observando. Disse que viu lá coisas que nunca viu em outras partes do mundo. Ela desenvolve pesquisa na relação mãe bebê e escolheu o Sofia para estudar. Outros países participam da pesquisa: Estados Unidos, Canadá e Áustria. Ela fará às mulheres a seguinte pergunta: “Como foi sua experiência ao dar à luz no Sofia”

Para escolha da maternidade, eles observaram alguns critérios, como dados estatísticos, baixo índice de cesárea e episiotomia e não ter morte perinatal e materna. Ela contou que existem casas de parto no Canadá, mas fora dos hospitais. Elas não foram aceitas nos hospitais pelos médicos. Interessante, os médicos não tem poder fora do hospital, como aqui no Brasil? Aqui, onde muitos tem resistência em devolver o parto para as mulheres e para as parteiras acadêmicas e se questiona se elas podem assistir a partos. Santa prepotência!

Para Elene “as casas de parto são fundamentais para a humanização do nascimento”.

A MULHER NO COMANDO

“Quando a mulher está de cócoras, está no comando. Ela fica acima do médico, como protagonista, no lugar correto. O parto de cócoras é o melhor, segundo as evidências científicas: aumenta a bacia, relaxa a musculatura, melhora a qualidade da contração, abre os ossos, otimiza os puxos. É muito mais fácil! Se a mulher fosse escolher, dificilmente escolheria a posição deitada”.

Ele é obstetra e o atual presidente da REHUNA, já conhecido de nome por nós, Marcos Leite. Faz parte do corpo clínico da maternidade da Universidade Estadual de Santa Catarina. “Nós temos 4,4% de índice de cesarianas e de 4 a 5% de episiotomia. Trabalhamos conscientes de que o nascimento é uma experiência que afeta pais, bebês e a família. O nascimento deixa seqüelas para a vida e para toda a sociedade”, enfatizou.

O modelo de atendimento que o obstetra preconiza: mulher tem direito a ambiente respeitoso e privacidade, decisões informadas, intervenções individualizadas, condutas cientificamente embasadas, quartos PPP... Para ele, o parto deve se firmar em três tripés: a bioética (deveres do ser humano para com outro ser humano), assistência baseada em evidências científicas e cuidados. E declara: “Sob o ponto de vista da ética, essa epidemia de cesarianas está contra todos os preceitos”.

Marcos Leite admite que para mudar um hábito, não é fácil e que para parar de fazer episiotomia (corte vaginal) tinha que sentar sobre as próprias mãos. Hoje, sua taxa de episio é de 2% e o hospital onde trabalha é exemplar:

“Tem menores taxas de indução e tem menos restrição de líquidos. Mais mulheres deambulando. Direito à acompanhante. Direito à doula. A mulher pode escolher o tipo de cadeira de parto que quer usar (off:que chique!!!), a dieta é livre, ela tem liberdade de movimentos e é incentivada a se movimentar e temos cavalinho e a bola de bobath a disposição da parturiente. Anestesia? Apenas 12% pedem.

“SÃO COISAS DO PASSADO”

Para Marcos Leite, são coisas do passado: o enema – limpeza intestinal e a tricotomia (raspagem de pelos, que foi provado, aumenta o risco de infecções). Também não é recomendado mais arrebentar a bolsa d´água (risco 3 vezes maior para o bebê) e infusão rotineira de soro. Posso garantir: tudo flui, tudo melhora”

O obstetra foi um dos que trabalharam pela implantação da Lei Nacional do Acompanhante, com a deputada Ideli Salvati.

UMA CULTURA DE PAZ

A pediatra Sônia Lansky enfatizou que o desafio em Belo Horizonte agora é o setor privado. “Alguns hospitais ainda não aceitam o acompanhante no parto. Alguns cobram taxa do acompanhante, às vezes, até a roupa que o pai usa. Informou que a portaria RDC 36 garante o direito a acompanhante, sem pagamento de nenhuma taxa extra. E acrescentou: partos não demandam ambiente asséptico.

E cheia da verdadeira paixão, anunciou: “temos que fortalecer os vínculos e fazer uma cultura de paz. Priorizar mais o afeto é a proposta da humanização. Procedimentos não embasados em evidências científicas deveriam ser banidos dos hospitais”.

AI QUE DOR

Eliane Soares fez uma abordagem interessante e diz que a dor do parto tem a ver com a influência da Bíblia que condenou a mulher a “parir com dor”. Isso teria gerado uma sensação de punição.

Ela derrubou um mito: de que fazer a “respiração do cachorrinho” é bom durante o trabalho de parto. Informou que a hiperventilação é prejudicial à mãe e o bebê. E que a dieta adequada para a parturiente é a líquida açucarada. “Deve-se evitar o leite e alimentos sólidos”. Também abordou os métodos não farmacológicos de alívio à dor no parto.

Em off: para o caso de em uma anestesia futura.

Na sua opinião, a hora de aplicar a anestesia, é a hora em que a mulher pede.

Sônia Lansky questiona: será que foram oferecidas opções a essa mulher que pede anestesia, outros métodos não farmacológicos de alívio à dor? Lembrando que procedimentos como ocitocina podem alterar o ritmo do parto e levar a mulher a pedir uma anestesia, pergunta:

“De que tipo de parto normal estamos falando? O parto cheio de intervenções? Não defendemos esse tipo de parto normal, sem respaldo científico. Mas o parto com ambiência favorável, onde as mulheres podem deambular, sem intervenções desnecessárias. Temos 50% de analgesia no SUS. Precisamos ter uma noa abordagem para a dor, dor de parto não é sofrimento.

enfim: OLHOS PARA O RECÉM NASCIDO

Enfim, os pediatras começam a questionar os seus procedimentos invasivos na cena do nascimento. A pediatra Candida Bonzada, do Hospital das Clínicas, fez uma análise sobre os primeiros momentos do bebê, a formação do vínculo, o pele a pele e o aleitamento materno. E fez perguntas impactantes para a platéia:

-Vocês pesam o nenê peladinho na balança?

Pois ele perde temperatura, pode levar à hipotermia”

- Vocês devem se perguntar. Eu estou favorecendo o vínculo mãe/bebê?

- E o banho?Vocês dão banho antes de seis horas de nascido? Sabem que banho antes destas seis horas também levam o nenê a perder temperatura?

“Na Holanda, só damos banho depois de dois dias”, informou Mary Zwart.

O Nitrato de prata, um colírio que se pinga nos olhos do nenê, na Holanda é aplicado via oral. “Arde demais”, testemunhou a pediatra Cândida sobre o colírio. Para ela, o papel da pediatra é empoderar a mulher no aleitamento. E ensinou algo fundamental para os pequenininhos:

“Quando forem fazer punções, principalmente no calcanhar, dói demais, coloque o nenê para mamar na mãe”. É, terá dor, mas terá consolo.

QUE ORGULHO!

Depois de chegar de Brasília e ganhar todos os louros pelos trabalhos, através da atuação do Movimento BH Pelo Parto Normal, do Sofia Feldman, da ONG Bem Nascer, ainda ouvimos dos distintos palestrantes outras considerações sobre Belo Horizonte:

“Vejo que agora é o momento de fazer a diferença em Belo Horizonte. Precisamos da democracia e mais que a emancipação, mas a mulherização .

O PARTO É NOSSO” (Mary Zwart)

" Na minha opinião, Belo Horizonte tem um papel fundamental na mudança do modelo obstétrico brasileiro”. (Marcos Leite)

ONGBEM NASCER EM ALTA

Eu e a Daphne, depois desta mesa maravilhosa, tivemos a oportunidade de comentar o que foi falado. Eu representando a ONG Bem Nascer e a Daphne, falando como usuária. Ela contou seus partos, fazendo um paralelo entre o atendimento em um hospital convencional, num parto sujeito a fórceps, para um parto na banheira do Sofia Feldman. A Bem Nascer é a voz das mulheres. Então, falei da nossa falta de direitos. Se chegarmos a um hospital em trabalho de parto, se não tivermos uma assistência muito bem escolhida, não podemos ficar de cócoras. Teremos que parir deitadas. Somos continuamente cortadas em episiotomias desnecessárias e ficamos com incontinência urinária. Para que mutilar todas as mulheres?

Enfatizei também nosso papel de disseminador da cultura do parto normal. Nossa presença nas universidades e agora acolhendo as mulheres nos Chás de Bençãos, nas Rodas Bem Nascer, na Lista na Internet. Devolvendo parto para as mulheres, um evento que sempre esteve na mão das mulheres e foi “usurpado” pelos homens.

Um momento sagrado, único, que deve ser assim encarado pelos profissionais que atuam atendendo partos. Aquele é mais um dia na sua vida de trabalho, mas o primeiro na vida daquela criança.

O primeiro número do Jornal Bem Nascer estava na pasta que foi distribuída aos participantes. Levei a edição dezembro/2010-janeiro/2011, lançado recentemente e que aborda as evidências científicas, entre outros assuntos.

Parabéns à Secretaria Municipal de Saúde pela iniciativa. Parabéns a minha querida Sônia Lansky, que faz a diferença com sua coerência e simplicidade.

8 comentários:

  1. Oi Cleise, gostei muito, escreva no jornalzinho sobre isso!!!!
    A mulher no comando!

    Carol

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  2. Está anotado, Carol.
    Voltarei ao assunto e farei essas palavras viram papel e jornal.

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  3. Olá,Cleise! Adoro seus comentários, seus depoimentos, adorei sua fala no Simpósio sobre Parto Normal, mas fiquei surpresa com algumas colocações suas sobre o evento. Acho que vc interpretou equivocadamente a aula da anestesista. Ela falou da importância do respeito à individualidade das parturientes em relação à dor e reforçou o papel não só das técnicas farmacológicas mas tbém das não farmacológicas (falou inclusive das evidências científicas para essas últimas) no bloqueio das repercussões negativas da dor na parturiente e no bebê. Ela citou um dos mais importantes trabalhos já publicados que é um estudo comparativo da dor (que vc classificou como de "péssimo gosto"). Fiquei realmente surpresa com as suas colocações sobre a aula dela.
    Gde beijo,
    Gisele

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  4. Tirei o meu infeliz comentário. Obrigada e fique a vontade para me corrigir sempre.
    Cleise

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  5. Atitude muito bacana!
    Gde beijo

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  6. Eu conheci recentemente uma mulher lá do triângulo mineiro pelo telefone e me encantei com ela, mas o tempo todo quando eu falava com ela eu tinha a sensação de que estava falando com uma amiga querida de muitos anos. O sotaque e a voz era muito parecido com o de uma certa Cleise Soares, jornalista, professora de yoga, que morava no Santo Antonio e era minha vizinha. Eu continuo falando com essa moça de Araguari, a coisa esta evoluindo e espero que a gente possa construir algo bacana, mas toda vez que falo com ela inevitavelmente a minha memória vai la longe e lembro-me da sensibilidade típica de certas moças do interior de Minas que vc tão bem representa... Falei com ela ainda a pouco e de repente me iluminou buscar esse oráculo Google e o que que eu acho? Este site com um relato de um seminário sobre parto humanizado , que falava de outro realizado em 1985 por uma Ong Grávida... li arrepiado de emoção e fiquei muito feliz por ter feito parte disso com você... Os nossos caminhos diferiram muito minha amiga, de algum modo fui cuidar dos loucos e da luta antimanicomial e vejo que vc continuo fazendo a diferença para que as mulheres possam ser felizes ao parir... Nos dois casos enfrentamos o poder e os preconceitos de uma medicina grosseira e tosca, interesseira e comercial que transforma a vida daqueles e daquelas dos quais deveria cuidar em fonte de dor e sofrimentos desnecessários..
    Muito bom receber essas noticias sobre vc.. Quem sabe se um dia destes não nos encontramos para por a prosa em dia.. Te desejo um 2011 repleto de boas luzes irradiadas para todos que fazem parte da sua grande familia humana

    um grande e carinhoso abraço
    marcus vinicus de oliveria

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  7. Meu querido Marcus, que saudades!!!!!!!!! Pois é, foi com vc que tudo começou no nosso Grávida, desde então venho militando essa causa que muito me apaixona. Hoje somos referência em Belo Horizonte e o nosso trabalho na ong tem repercutido entre as mulheres e o movimento vai crescendo ao ritmo da Internet. Você foi meu primeiro professor e muito aprendi com você no Grávida. Gostaria muito de te ver. Participei da elaboração do livro da sua mãe, junto com a Dete, quem sabe nos vemos quando for lançado? Eu ficaria mega feliz. Essa outra ong fundei com outro Marco, Marco Aurélio Valadares. Um grande beijo e felicidades com sua mineirinha. Cleise

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