sexta-feira, 23 de março de 2012

Audiência Pública sobre Cesariana no Brasil

A Inessa esteve lá e fez um relato apaixonado do seu parto na casa de partos do Hospital Sofia Feldman. Relatou que é filha de médico e que tinha convênio de saúde, mas que optou pelo centro de parto normal porque queria um parto humanizado, sem intervenções. A própria foto mostra que ela teve a oportunidade de criar um clima azul tranquilo e sagrado para o nascimento do seu filho. Está ao lado do Obregon, companheirão, que praticamente pariu com ela. Ela representou o grupo Ishtar, dissidência da Bem Nascer e que segue um caminho próprio e caminha na paralela a nós, fazendo um trabalho com as mulheres.


Esta é Valéria Soares (que vou citar no artigo). Teve seu filho Ian assistida por Dr. Marco Aurélio Valadares, na Maternidade Santa Fé. Foi assistida antes e depois pela doula Isabel Cristina, que não conseguiu chegar à tempo porque o parto foi rapidíssimo. Quatro horas. Chegou nascendo. Foi se sentar na cadeira de parto de cócoras e o Ian nasceu. Nem eu consegui assistir, já que assinava papéis na portaria. Ele ficou com ela quase uma hora no peito. Ela não sofreu episiotomia (corte vaginal) e não houve lacerações.

Esta querida é Camila, querida amiga, no nascimento de Diana. Ela nasceu na Centro de Parto Normal do Hospital Sofia Feldman. O parto foi na água. Ela não teve episiotomia e usou de métodos não farmacológicos de alívio à dor, o chuveiro, a bola de bobath, a escada de ling e foi assistida por enfermeiras obstetras. Ela permitiu a publicação da sua foto, sabendo que compartilha com uma grande causa, que é o respeito ao nascimento.

Câmara se engaja à campanha pelo parto normal
A Câmara Municipal de Belo Horizonte promoveu uma audiência pública para analisar a epidemia de cesarianas no Brasil, diante do índice de 52% de 2011, que superou o de partos normais. A audiência foi convocada por um trio de vereadoras, que forma a Comissão pelos Direitos Humanos, Maria Lúcia Scarpelli, Neusinha Santos e Lúcia Helena. Elas convidaram representantes da Comissão Perinatal, da Secretaria Municipal de Saúde, da Unimed BH, da Sociedade Mineira de Ginecologistas e Obstetra (Sogimig), da Associação Brasileira de Enfermeiras Obstetras (Abenfo), do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e a ong Bem Nascer, que tive a honra de representar.

Abaixo, o discurso que preparei para aquele momento. Atendendo a pedidos, decidi postar.

Cumprimento os meus colegas de mesa e meus companheiros na luta pela humanização do nascimento. Estou aqui representando a ONG Bem Nascer, que nasceu de mim e do obstetra Marco Aurélio Valadares há dez anos. Estar aqui é uma honra e mostra que conquistamos um lugar em Belo Horizonte. Estamos com a voz no trombone.
Estou aqui em defesa da mulher, privada do seu direito a ter seu filho da forma fisiológica e natural. Em defesa da ecologia do nascimento. Em defesa do nascituro, que também se vê privado de um nascimento segundo a natureza do seu ser. Em defesa da vida e da preservação da espécie. 52% dos brasileiros nasceram de cesariana no ano passado. Mais de hum milhão e quinhentos mil brasileiros e brasileiras. O pisque alerta acendeu. 52% de crianças foram retiradas do útero, muitas vezes prematuramente.
E isto tem conseqüências nesta mulher e nesta criança?
Gostaria de pedir aos senhores que se colocassem no lugar desta criança. Os estudiosos da regressão intra-uterina atestam que o bebê decide a hora de nascer. Ele está se preparando para o seu nascimento, ainda não está preparado. Está dentro da bolsa, tranquilo, quando se depara com um bisturi cortando o seu casulo e com duas mãos o retirando do útero. Muitas vezes, ele está tão encaixado que tem que fazer força para retirá-lo. Dizem os que passam por terapias psicológicas e que conseguiram reviver seus nascimentos por cesariana que naquele momento não registraram a presença da mãe. O bebê é, então, muito mais incomodado para tirar os mucos, que saem naturalmente em um parto normal, o nariz é sugado e coloca-se sondas que vão até o estômago do nenê.
Eu pergunto, é saudável nascer assim? É uma boa experiência para esta criança?
Dr. Michel Odent, renomado obstetra francês e um dos papas da humanização do nascimento, faz uma relação entre o excesso de cesáreas e o aumento da violência urbana. Chega a declarar que tem medo de andar à noite em cidades onde os índices de cesárea são altos. Acredita que a forma de nascer repercute na forma de viver. E que para mudar o mundo, há que se mudar a forma de nascer.
O problema se agrava quando há um efeito cascata. O nenê nasce de cesárea, não é amamentado, é terceirizado para empregadas ou escolinhas, com a mãe ausente de casa, assim como esteve ausente do parto. Estas opções modernas vão cobrar o seu preço quando essa criança atingir a adolescência e a mãe não tiver link com seu filho, o vínculo estará rompido. Há hormônios em atividade durante o trabalho de parto que, já está provado, favorecem o vínculo entre a mãe e o filho, fazem emergir o instinto materno. Odent costuma dizer que as crianças estão nascendo com déficit de amor, pela ausência de ocitocina – o hormônio do amor – nas cesáreas eletivas, realizadas muitas vezes com 37 semanas. Uma pesquisa recente realizada na Europa mostrou que crianças com 37 semanas apresentam os mesmos problemas dos prematuros de 32 semanas. Portanto, ele ainda não estava pronto.
Uma outra pesquisa mostrou que 70% das mulheres começam a gravidez desejando um parto normal, ao final, 30%, e apenas 10% conseguem. Por quê? O que influencia a mulher no decorrer da sua gravidez? Os médicos em seus consultórios dizendo que o bebê tem o cordão umbilical enrolado no pescoço, o líquido amniótico diminuiu, a mãe não tem passagem, o bebê está em sofrimento... Sabemos que a maior parte das cesáreas não foi realmente necessária. A Organização Mundial de Saúde preconiza 15%, apenas esse percentual de mulheres demanda cesarianas.
A cesárea atende a quem? À comodidade dos médicos? À uma opção das mulheres?
O Ministério da Saúde está fazendo um checkup do nascimento no Brasil, uma pesquisa desenvolvida pela Fiocruz – Nascer no Brasil, que deve responder a estas questões.
Hoje, diversos movimentos sociais pedem respeito ao nascimento. Muitas mulheres, nesse universo de cesáreas, demandam uma assistência baseada em evidências científicas, menos intervencionista e muitas desejam parto normal, de cócoras, na água, domiciliar. Outras, passam o pente fino para escolher um médico que atenda a seu desejo e que permita o seu protagonismo no parto. Mas elas não encontram esse caminho com facilidade. Elas não têm sequer o direito de agachar para ter seu filho, ela tem que se deitar na conhecida posição de frango assado, uma posição totalmente anti-fisiológica. As evidências científicas mostram que a posição de cócoras favorece o parto normal.
A Bem Nascer ajuda a dar esclarecimentos e mostrar às nossas mulheres, as possibilidades que elas têm em Belo Horizonte, no SUS e maternidades privadas. Realizamos rodas de conversa, as Rodas Bem Nascer no parque Municipal e Parque das Mangabeiras. Fazemos parte do Movimento BH Pelo Parto Normal e das reuniões mensais da Comissão Perinatal e pretendemos levar até eles, representantes das maternidades públicas, as demandas que recebemos nestas rodas de conversa.
O parto demanda respeito
Respeito às escolha das mulheres, principal protagonista deste evento. Respeito à e da família. Respeito ao pai e do pai. Respeito da equipe de saúde que cerca o cenário do parto: o obstetra, a enfermeira obstetra, a doula, o pediatra, o anestesista. Todos devem lidar com o nascimento como algo sagrado e único na vida daquele ser. O que é mais um dia de trabalho na rotina dos profissionais, é o primeiro na vida daquele ser humano.
Respeito da mulher por si mesma, respeitando suas escolhas e seus limites. Respeito da instituição –da maternidade por sua cliente, pela mulher, pela criança, oferecendo a elas uma assistência baseada em evidências científicas. Percebendo as demandas de seus usuários. Não ir na contra-mão de toda uma rede que trabalha, hoje, em prol do parto normal. A começar pela OMS, pelo Ministério da Saúde, com a Rede Cegonha, chegando ao municipal com o Movimento BH pelo Parto Normal.
Valéria Soares, minha sobrinha, saiu de São Paulo para parir Ian em BH em setembro, sabia da rede de apoio que teria. Usufruiu do “SUS” , nas terapias integrativas oferecidas pelo Hospital Sofia Feldman, e da assistência privada, tendo seu filho na Maternidade Santa Fé. Lá, ela conquistou o direito de ter seu parto de cócoras, de ter seu bebê em seu peito logo após o nascimento, mas porque tinha um médico adepto à humanização. Se chegasse lá e fosse atendida no plantão, com certeza não teria acesso à cadeira de parto e a outros procedimentos menos invasivos e se veria diante da frieza dos protocolos institucionais. Em Belo Horizonte, a maternidade do Unimed Dia e o Mater Dei estão mais abertos a acolher as mães que demandam partos em ambiência favorável e os quartos PP estão sendo utilizados. Sabe-se que nós, mulheres não precisamos ir para os blocos cirúrgicos para terem nossos filhos naturalmente. Há que simplificar o parto, é mais barato, é comprovadamente o melhor para a mãe e a criança.
Se analisarmos a história do parto ao longo do tempo, veremos que o parto era um evento eminentemente feminino – coisa de parteira, de comadre - e o homem entre aspas ocupou esse lugar, com a figura do médico, que reluta em compor uma equipe multiprofissional e permitir a inserção da enfermeira obstetra no cenário. Já está comprovado que, com a presença da parteira acadêmica no momento do parto, muitas cesáreas seriam evitadas. Alguns querem garantir que o parto é um ato médico. Os médicos foram treinados para intervir, acabar com aquela dor entre aspas. As enfermeiras, para acolher, assistir e têm mais paciência e disponibilidade para dar o tempo necessário ao parto. Mas, no Brasil, embora a Rede Cegonha preconize a inserção da enfermeira obstetra no sistema, elas ainda não conquistaram este lugar na maior parte das maternidades. Aqui mesmo em Belo Horizonte, elas somente têm esse espaço no Maternidade Risoleta Neves e Hospital Sofia Feldman. Nos outros hospitais, elas chegam apenas à sala do pré-parto.
Os médicos relutam por causa da reserva de mercado. Não compreendem que continuam tendo seus lugares, quando há intercorrências que demandem intervenções médicas. Eles foram treinados a intervir, a minorar as dores, a fazer cirurgias. As enfermeiras podem ser grandes ajudantes destes médicos sem tempo para dar tempo ao tempo do parto normal. Com os médicos fazendo residência no Risoleta Neves e, agora, no Sofia Feldman, esse cenário pode mudar, muitos vão aprender a assistir em outro modelo, mais humanizado, menos intervencionista e baseado em evidências científicas.
A cesárea atende às conveniências dos médicos? Das mulheres?
Dos médicos, sabemos que, na grande maioria dos casos, sim. As cesarianas aumentam em vésperas de feriados. Muitas mulheres também optam pela cesariana, mas acreditamos que, grande parte delas, por falta de informações. Gerou-se uma cultura de que a cesárea é mais segura. Mas é uma cirurgia. E em cirurgias, sempre há riscos.
Correr este risco sem necessidade?
Essa é uma cultura recente, trinta anos mais ou menos, e vem de uma sociedade que foge da dor, da morte, do sofrimento. Nós, mulheres que conquistamos partos normais sabemos que a dor do parto é dor, mas não precisa ser sofrimento. Há inúmeros métodos não farmacológicos de alívio à dor, já experimentados por várias mulheres, que transformam o parto em uma experiência prazerosa. Sabemos também que saímos transformadas de uma vivência de parto normal, este empoderamento nos dá poder para outras situações de nossas vidas.
A questão é de saúde pública e de saúde financeira. A assistência cirúrgica vai demandar muito mais medicamentos, fios para costurar... É mais cara para o SUS e os planos de saúde. Demanda mais tempo de internação para a mãe e para o filho, e deles, muitos terminam no CTI neonatal para acabar de completar o amadurecimento dos pulmões, que seriam naturalmente amadurecidos no ventre. O nenê mama remédios e, ao invés de ir para sua casa, fica internada entre frias máquinas e profissionais de jaleco. Pode, ainda, carregar seqüelas físicas, problemas pulmonares pelo resto das suas vidas. Ocorre no Brasil uma epidemia de prematuridade.
Belo Horizonte registrou o maior índice de crianças de baixo peso. Eu pergunto, quantas nasceram de cesárea?
Michel Odent questiona, onde vai parar essa humanidade pós-cesárea, pois nunca houve algo igual em toda a nossa história. Os médicos, pequenos deuses, devem repensar o seu papel e abrir espaço para outros profissionais, as mulheres, demandam esclarecimentos sobre as reais implicações de uma cesariana e os benefícios do parto normal.
O Ministério da Saúde tem feito uma intervenção interessante com a Rede Cegonha, que pode fazer diferença no cenário do parto no futuro. A ANVISA está orientando as maternidades a construírem quartos PPP (onde a mulher fica no mesmo lugar no Pré Parto, Parto e Pós-parto), mas muitas fazem o quarto para apresentarem para a fiscalização - PPP para Anvisa ver - e as mulheres continuam indo, teimosamente, para o bloco cirúrgico, algumas vezes porque o anestesista ou a pediatra só aceita atender a mãe ou a criança no bloco cirúrgico.
Houve alguns avanços, como a extinção dos berçários, a presença de um acompanhante no parto, mas muitas delas ficam sozinhas no pós-parto em algumas maternidades privadas; a inserção de doulas comunitárias no SUS. Doulas foram treinadas para atender no Hospital Dia da Unimed, mas ainda não foram aceitas pelas equipes. Embora, há pouco, uma médica de lá, adepta das doulas, disse que vai solicitar que elas assistam em seus plantões. Ela já reconheceu a importância da doula na equipe de assistência. As enfermeiras obstetras, quando forem aceitas pelos médicos, vão comprovar como enriquecem a equipe.
Estamos caminhando, mas temos que caminhar mais rápido e abrir caminho para que as crianças de agora e do futuro tenham um parto humanizado e um bom acolhimento da família. Meus aplausos à iniciativa da Câmara promovendo essa audiência pública, muito bem vinda. E obrigada, em nome de nossas mães e nossos pais, pelo convite à ONG Bem Nascer. Espero ter colocado uma pulga atrás das orelhas, levantado um questionamento interno nos profissionais de saúde e nos políticos que atuam nesta casa e que, de alguma forma, podem contribuir para a mudança de cultura.
E volto a repetir Michel Odent, “para mudar o mundo, há que se mudar a forma de nascer."

Nenhum comentário:

Postar um comentário

YOGA PARA TODOS

O bebê nasceu. Você fez Yoga durante toda a gravidez. Quando chegar aos três meses pode recomeçar com os alongamentos. Em casa, em família ...