Fiz esta entrevista há muito anos e agora a reencontrei em meus arquivos. A psicóloga Corina Santos faz uma análise muito interessante. Publiquei primeiramente esta entrevista no site do Núcleo Bem Nascer, quando fiz assessoria de comunicação para eles.
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Valéria Carvalho e seu filho Ian, que nasceu de parto de cócoras com Dr. Marco Aurélio Valadares |
A forma de nascer influencia a forma de viver?
A pergunta foi feita para
a psicóloga clínica Corina Maria dos Santos. A resposta foi SIM. “É com isso
que eu trabalho em
consultório. Em algum momento, procuro saber como foi o nascimento
e se a pessoa foi amamentada.” Esses dados são importantes no meu ponto de
vista e dizem muito sobre o comportamento do indivíduo.” Ela explica, aqui, o
que percebeu nos seus 30 anos de clínica e faz questão de acentuar: “São observações
minhas, em consultório, não estão comprovadas cientificamente”.
“O parto é o nascimento – quem
eu fui? Quem eu sou? Um grande ato heróico.”
Corina reviveu seu próprio nascimento em um trabalho xamânico na
Cordilheira dos Andes, nas Águas Calientes. “Eu senti falta de ar e um puxão no
cordão umbilical. Eu era a mãe. Eu era o nenê.”
Se o parto influencia a forma de viver, então formulamos algumas
perguntas a Corina. Cesárea deixa sequelas emocionais? Ela fez questão de frisar que tudo é relativo,
cada caso é um caso. No entanto, fez constatações diante dos casos que atendeu
ao longo dos anos.
P: E a cesárea eletiva?
R: Fiquei nove
meses amadurecendo. Na hora de nascer, eu luto, me preparo, mas alguém me tira.
Perdi a primeira batalha. Eu não vou acreditar que dou conta. Posso ter frustração,
baixa estima. Eu não consigo concretizar as coisas. Não se sente capaz de
fechar um projeto. Vai começar, não vai acabar.
Na literatura
médica, a mãe é que faz, a criança é passiva. Não leva em conta que a pessoa
vem com uma história para contar. Essa criança é passiva. Não tem opinião. Não é
levada em conta. Não
foi levada em conta, em
consideração. Eu não existo. Eu não tenho opinião.
P: E a cesárea que foi
necessária?
R: Esta cesárea
envolveu sofrimento. Envolveu risco de vida. Ela sofreu em sua matriz
perinatal, alguém a tirou do sofrimento. Ela vai sofrer, sofrer, vai construir
o drama, vai repetir a cena, até sair do piloto automático
P: E quando a criança tem o
cordão enrolado no pescoço?
R: Quando isso é
somatizado, ela se sente, por exemplo, com a corda no pescoço. Uma pessoa
enrolada. Vive enrolada. Sente-se sufocada, asfixiada. É aquela que está sempre
no cheque especial. Se eu ousar ser normal, vou morrer.
P: Você faz alguma relação com
efeito das drogas usadas no parto?
R: A criança
prepara-se para ser um guerreiro, enfrentar uma grande luta. Alguém vem e dopa
a mãe. Não dá a ele chance. Imobiliza. Perde a primeira batalha. Temos um guerreiro que não pode guerrear.
Ele vai desenvolver um projeto maravilhoso, na hora H, desiste, desacredita,
guarda na gaveta. Ele não venceu. Ele não acredita que tem condições de vencer.
A percepção dele de fracasso é corporal.
Em minha
experiência em atender dependentes químicos, posso afirmar que o viciado em
drogas quer reviver o paraíso perdido, aquele estado simbiótico, a primeira
matriz. Não quer batalhar pela vida.
Nascer é sair para o mundo.
P: O que fazer?
Vidas mal
escritas, mal contadas. Recuperar a escrita perdida. Sair do piloto automático.
Eu mesma vou dirigir a minha vida. Não posso ser vítima do meu nascimento.
Posso ter minhas escolhas. Resgatar o elo comigo desde o útero da minha mãe. Um
exercício bom é boiar na piscina, ouvir o barulhinho da água.”
P: Ser mãe é padecer no
paraíso?
Ou a gente se
doa ou a gente se sacrifica. É um grande movimento de se refazer. Passar a
limpo a nossa história. Um momento de luz. Pode ser um padecer – sacrifício –
ou um sacro ofício, um ofício sagrado.
Mãe duas vezes
Quando Corina
pariu sua filha, Renata, passou pela experiência do “Sono do Crepúsculo”. Foi
medicada primeiramente com calmantes e depois com anestesia geral. “Eu não vi o
parto, não sei como consegui ter parto normal. Acredito que passaram fórceps”.
Depois do nascimento, Corina não tinha forças nos braços para pegar a filha no
colo. Renata, que hoje é obstetra, repetiu a experiência. Teve uma cesariana e
a anestesia, ao invés de descer, subiu e anestesiou os braços. Ela, então, se
viu na mesma situação do seu nascimento.
A avó psicóloga faz uma leitura da experiência
da filha: “ a cesárea estava programada nela. Entendo que ela precisava voltar
naquele lugar. O elo perdido. Ela precisava re-sofrer”
Corina nasceu de
parteira, pariu dormindo e agora, avó, afirma “estou curando o meu
umbigo”.